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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O Censo – Parte I - A família-fauna

Há algumas semanas recebi a visita da recenseadora do IBGE. Estava ansioso para ser entrevistado. Queria saber a sensação de responder, de boca cheia, que sim, esse imóvel onde resido é próprio! É um conquista que para muitos demora anos até se concretizar. É claro, ainda tenho
um sócio nesse empreendimento, o banco. Mas, como o convenci a entrar nessa comigo, tenho méritos na negociação. E a sensação foi muito boa.

Além desse pequeno prazer pelo qual tanto aguardava, queria contar que, no censo do ano 2000, eu também fora recenseador! Isso ajuda a conversa fluir melhor, ainda mais quando é necessário visitar as pessoas em horários não comerciais. Adentrar a casa de um estranho numa noite, como no meu caso, ou num final de semana pode ser apreensivo para o entrevistador. Muitos moradores não têm a disposição e paciência para responder adequadamente. Assim, tendo muitas histórias para contar de minha época de inquiridor estatístico, eu saberia que a conversa se desenrolaria tranquilamente entre nós. Afinal, nada mais natural para um (ex)recenseador que ser recenseado. Iniciamos uma conversa de comadre-compadre, que não se estendeu até mais tarde devido a outras visitas já agendadas por ela.

No meu tempo não tinha esse computadorzinho de mão, era tudo preenchido no braço mesmo, nos questionários em papel. Ah é, que trabalheira que deve ter sido. Foi mesmo, imagina pegar uma casa com 6, 7 pessoas vivendo, isso num questionário de amostragem era pior ainda. É verdade, agora ficou tudo mais prático...

Contei que passei em segundo no concurso e escolhi uma área perto de casa para recensear. Ela também tinha ficado em segundo e estava trabalhando numa área onde, inclusive, ficava sua casa. Que coincidência, não? Aqui o supervisor já fez um levantamento dos apartamentos e casas e já passou pra gente, no sistema, assim, ficou mais fácil, disse ela. Pois é, na minha época não tinha isso, em certas ocasiões a gente tinha até mesmo que decidir se onde a gente estava era ou não um domicílio. Tinha gente morando durante anos em galpões, quartinhos nos fundos de igrejas e tal, sei porque trabalhei até no interior da cidadezinha de Santa Catarina, onde morava, comentei. Ah é? Que legal, respondeu.

E assim foi a entrevista. Bem rápida. Moro sozinho e o sistema do IBGE tinha liberado um questionário básico para minha residência. As perguntas foram simples. O tempo voou. Questões de saneamento e ligações elétricas eram padrões para todos os apartamentos, então, o trabalho dela em prédios era moleza. Por outro lado, onde trabalhei, só havia casas. Para descobrir dos moradores de que tipo era a fossa da casa às vezes ficava complicado. Nem todos sabiam desses detalhes.

O que até hoje não entendo, nem a recenseadora, é por que o IBGE faz tanta questão de saber quantos banheiros existem em uma casa. Que fetiche é esse que eles têm por banheiros? Poderia ser algo simples e direto. Há ou não banheiros com sanitários no imóvel? Assinala e pronto. Por que não perguntam no questionário básico a respeito da religião professada, por exemplo, ao invés de quantidade de banheiros? Por que algumas perguntas interessantes só existem no questionário de amostragem? Sobre questões interessantes, no campo em que se pergunta por onde escoam os dejetos, não havendo banheiro com sanitário, há uma nota que esclarece que em muitas regiões do Brasil o sanitário pode ser conhecido como casinha, patente, latrina sentina, retrete, casa-de-força ou cambrone. Só das primeiras três opções já tinha ouvido falar. Casa-de-força é algo muito sugestivo, diga-se de passagem.

Infelizmente, nossa conversa rememorando os tempos antigos e sofríveis do trabalho do recenseador, e a comparação com as facilidades que a tecnologia propiciou ao levantamento de dados, não pôde continuar. Como disse, ela tinha outras visitas agendadas. Gostaria de ter contado mais algumas histórias de minha experiência nesse trabalho. Como não deu, conto agora para vocês.

Na rua que partia de frente da casa onde morava com meus pais, em SC, a uns 300 metros de distância, havia uma família bem populosa vivendo numa casa modesta. Sempre passava por ali, mas não conhecia ninguém deles. Sendo recenseador, tive a oportunidade de conhece-los. Como sempre, perguntei pelo dono da casa ou responsável por ela, alguém que pudesse responder o questionário básico. Um senhor muito prestativo veio me atender, convidou-me para entrar, sentamos e começamos a entrevista.

Havia muita gente morando naquela casa. O casal e muitos filhos. Completei o nome do casal no questionário e iniciei a indagação a respeito de nome e data de nascimento dos filhos. Alguns dos filhos estavam presentes e todos descontraídos e curiosos.

Começando pelo mais velho, qual o nome e data de nascimento dele, perguntei. Ah, o mais velho, o Coeio. É, o mais velho, me disse. Coelho... Apelido, não?, questionei. Sim, sim, você quer o nome, péra... Muié, o nome do Coeio, qualé?, perguntou. Ai, péra. Coieio, qual teu nome? Sempre esqueço, dos outros me lembro, ela disse. O Coeio entrou na sala e me disse seu nome, completo. Perguntei a data de nascimento e prontamente me respondeu.

Agora o próximo, falei. É, agora, depois do Coeio vem o, vem o Pato. Isso, o Pato. Pato, cadê você?, falou. E o Pato veio. É, teu nome do meio, qualé mesmo, Bruno?, perguntou. É José, pai, falou o Pato. Bruno José?, perguntou ao Pato. Não pai, eu sou o José, o Bruno é o Sapo, o Pato falou. Ah sim, tá e diz pro amigo a data de nascimento também, falou o patriarca. Anotei o nome completo do Pato e sua data de nascimento.

Agora, então, é a vez do Sapo pelo que notei, disse eu meio que rindo. Eles riram também. Pois é, a gente se conhece aqui tudo por apelido, disse ele. Sim, percebi, respondi com naturalidade. Então, o Sapo é o Bruno, disse o pai. Não, disse a mãe da prole lá da cozinha, antes do Sapo vem o Lagarto.

Confesso que estava me divertindo com tudo aquilo. Sabia que renderia boas risadas ao voltar para casa e contar para meus pais. Mas, por um momento, alguns milésimos de segundos, procurei me certificar do que estava escrito em meu crachá de recenseador. Tive medo de ter prestado concurso para o instituto errado. E para meu alívio estava escrito IBGE, não IBAMA. Mesmo assim, me senti recenseando num zoológico.

Completei os dados do Lagarto, do Sapo e dos filhotes que vieram depois. O restante tinha apelidos diversos, sem serem necessariamente da fauna brasileira. Só o mais novo não possuía, ainda, um carinhoso apelido. Completei o nome e perguntei a data de nascimento do caçula de fraldas. Lá foi a mãe correndo para o quarto, derrubando o pano de prato, caçar a certidão de nascimento do piazinho. Vixi, ai, esqueci o dia, disse ela se cuspindo do feijão que tinha acabado de provar antes de pôr à mesa o almoço para aquela peculiar família.

Quando terminei a área recenseada perto de minha casa, resolvi escolher uma outra área para trabalhar. Porém, restaram apenas regiões do interior, a 30, 40 quilômetros de distância. Escolhi uma onde sabia que uns parentes de um amigo meu moravam. Assim, caso resolvesse trabalhar no “meio do mato”, sabia que poderia, no mínimo, entrar em contato com eles para saber se eu poderia passar uns pernoites por lá. Além do mais, o pagamento por casas e pessoas recenseadas em regiões rurais era maior. E ainda existia uma ajuda de custo, para deslocamento. Optei por trabalhar no meio de roças e plantações durante duas semanas.

Outras histórias de minha empreitada como recenseador em SC eu conto nos próximos posts.

2 comentários:

  1. Rob,

    Boas histórias deverão vir, pois acho divertida as perguntas. O IBGE é tão engraçado, qnt o governo.

    Bjs

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  2. Que maneiro você ter sido recenseador, sinal de que gosta de tomar um cafézinho e jogar converssa fora com estranhos (hehe).
    Hilário tua história, que família hein, deve ter passado um bom tempinho pra extrair os dados nessa casa!

    Parabéns pela postagem!
    abraços e vote consciente!

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