Páginas

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Anima et corpus

"Meu corpo sabe que desisti.
Entende que há força nos músculos
Para facilmente os enrijecer.
Mas, a ordem não vem.
Não há comando para dar o passo além.
Há folga nas articulações e desses ossos o ranger
Ensurdece qualquer desejo pelo movimento.
A batida no peito, repetida,
repetida,
O ar nos pulmões inflando e indo,
Sangue filtrado, já prontas as enzimas,
Tudo continua no maquinário, ainda
Automático, sistemático, acrobático
Fazendo peripécias pela alma já falida.
O espírito, de vontades se assoma
E a vontade, de renúncias se consolida.
O passo, o golpe, os olhos indo pela direita,
A cabeça meneada ao léu.
Sorrisos vagos e enxutos, fartamente distribuídos
Gritando: tudo o que reluz é ouropel."

"A alma entende que hei de prosseguir.
Sou a máquina, o concreto, a massa viva.
Um osso, um aço, que da dor não se esquiva.
A pele, limite do suor profuso.
E os pelos, lampejos de um sol eslavo.
Pés tortos, secos mas prontos para milhas
Mãos, e dedos inclinados, vorazes dedilham
Sempre muitas cordas e nunca uma nota só.
Nunca uma corda só. Jamais uma corda e nó.
Dentes e fome, língua e paladar, estômago.
Vida venial digerida em tom sôfrego.
Não importa, minha alma! Não importa!
Se o comando falhar em pensamento
A voz grita! A boca em riste, sibila e vibra!
E os olhos. De tão profundos e cianos
Atraem demais olhos, mistérios e outros planos...
Corpo cínico e sinuoso, imperfeito,
De lastro escasso e potência relativa.
Mesmo assim, não me abaterei
Ou me debaterei em vão.
Nem que a alma me bata forte
Bem em cheio no coração,
E uma vez mais me faça cortes
Com a lâmina da negação!"

3 comentários:

  1. Muito legal voltar aqui depois de tanto tempo. Poesia e crônicas de primeira. Quem ama, escreve. Nos recessos, também escreve!
    E como diria outro poeta, "nós escrevivemos!"
    Grande abraço, um ótimo 2013 p/ você.
    Adh2bs

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá! Grato pela visita e comentário. Gosto muito quando apreciam o que escrevo, mesmo não sendo tão frequente na escrita nem nas visitas aos outros blogs. E, realmente, quando se resolve escrever, passa-se a 'escreviver'. Um ótimo 2013 para você e a todos seus entes queridos. Forte abraço!

      Excluir
  2. Adoro o teu blog há muito tempo, mas não o tinha no meu feed.
    A verdade é que eu estive há um tempo atrás e me choquei com o teu título: viver é crônico. A partir dele fiz um texto que gosto muito.

    "Ontem me pus a colocar as minhas coisas em ordem e, entre elas, estava minha lista de blogs os quais eu sigo. Depois de muito seguir e desseguir, me deparo com um blog muito bom, bem escrito, mas abandonado. De um dono muito gato, mas isso são detalhes. O que me atingiu em cheio, na real, foi o título: "Viver é Crônico".

    Fiquei pensando nessa frase a noite inteira, pensando sobre a verdade enorme que existe nessa frase tão pequena. Viver realmente é crônico. Não que seja doença, não é patologia catalogada, mas dependendo de como você viva, as circunstâncias de sobrevivência e as pessoas que te cercam, passa a ser, das mais graves. Crônica.

    Quantas vezes a gente já não se pegou pensando em coisa demais e em gente de menos. São contas, trabalho, filhos. O marido que demora pra chegar e você não sabe se ele está te traindo ou se um carro o pegou, em meio à marginal, e ele agora está agonizando em um hospital? É crônico.

    Existe também a importância indevida que a gente dá as coisas. As pessoas falam, cara, independente se você se porta de forma correta ou incorreta (e aqui nem abro o parênteses de que existe o certo e o errado que cabe a cada pessoa, porque seria demais pra essa manhã). Você vai levar seus filhos à escola e a vizinha vai perceber seu atraso de quinze minutos, e espalhar pra vizinhança que você é relapsa. O vizinho vai perceber que você está trazendo os namorados pra casa, à noite, e já começa a fofoca de que você não se comporta, não presta. Você vai à padaria de pijama e chinelo de dedo e a fofoca é que você se separou, está sofrendo e tudo mais.

    Pra todo mundo que você não conhece direito, que não dá bom dia, que não se ajoelha e beija os pés, pra toda essa gente, você tem defeitos incontáveis e inadmissíveis.

    Agora me diz, a gente vai dar bola pra quê? Não pode, não está certo. Acho que essa é a certeza universal, que cabe a todos os gostos e pessoas: não há necessidade de se importar com aquilo que não vai te acrescentar.

    Então, vamos deixar de sofrer, deixar de amargar as tristezas, de baixar o volume do som. A gente precisa é de alegria, de amor, de brincar e ir à praça assistir ao show que estiver acontecendo. Pegar o carro com a família e passear pela cidade, sem ter onde ir, só pra conversar. Pegar um filme de comédia na locadora e chamar os amigos pra assistir, conversar, tomar um vinho, tudo isso como desculpa pra ver quem há tempos não se vê.

    Viver é cônico, mas não é doença"

    ps: "o dono gato" vc releva, rs.

    ResponderExcluir