Não te engana com a tristeza
aparente. Ela não evoca males nem infortúnios. Nem há tristeza aparente.
Somente teus olhos percebem a confluência calma dos raios do meu olhar como
tristeza. Eles te fitam e te ignoram. E permanecem serenos, feito o mar coberto
da brisa mansa de uma noite em que chove estrelas. Meus olhos, esses escuros
maciços vítreos, sorriem sem mexer alheios músculos. Sorriem porque sorrir é
recolher lágrimas em tempos de felicidade farta. Recolhem tuas lágrimas se
desejares. As mesmas que insistes em engolir com o choro do pavor
do ato mal visto, da vontade equivocada, manca e desajeitada devido ao peso do fardo que carregas de precisar estar sempre de mãos dadas com a valia.
do ato mal visto, da vontade equivocada, manca e desajeitada devido ao peso do fardo que carregas de precisar estar sempre de mãos dadas com a valia.
Não há tristeza no recato
que trago e forneço de graça. Se quiseres algo mais, deverá haver ganho. O meu
é fácil, pois nutro meus olhos risonhos com as expectativas que depositas na satisfação
rápida do ego. O teu é complicado, é o ganho da necessidade satisfeita ao custo
de um possível gozo. O meu é fácil, repito, eu me permito à sensação do poder
quando as energias se esgotam. Sinto prazer quando o prazer já me esqueceu em mádida
coberta. Demora para o corpo esfriar a alma e vice-versa. O teu ganho-gozo é o
inverso do que proporciono ao espírito da incansável lena manhosa que habita em
mim. Teu ganho é pouco, meu ganho é a gana que me ganha.
Não te enganas com o requinte do
sorriso ligeiro de meus lábios nas fotografias. Eles conquistam mais que
despistam minha cobiça. Sussurro pelas lentes palavras que jamais ouvirias, como
conselho ou delirante desdém. Minha boca, enquanto menina, porta-se feito pintura
de linhas sutis e sem embaraços. O quadro, dos traços suaves e cores rutilantes
das bordas bucais, benfaz a arte de chamar sem nunca pronunciar palavras. Minha
boca, entrementes aos surtos rompantes de frenesi lascivo, interpreta a própria
arte que proclama e deglute a tua, até então, apreensiva cadência de tons de um
órgão barroco. Essa boca se cala com as peias do alvoroço. E sem nunca se
deixar abater, ela se cala buscando o descanso momentâneo daquele sorriso sutil,
do canto de lábios, que facilmente são vistos na lente da imaginação.
Não te enganas com meu corpo
desnudo e mudo. Ele muda e se amiúda na noite, como a sombra se mostra rápida
diante de um átimo de luz na escuridão. Ele é limpo e travesso, firme e denso,
fino e fremido. Implora a ele pelo segundo de libertação e ele te dará o
repouso garantido do espírito pós-excitação. Navega entre os poros e portos de cada
dobra, sulco e sumo. Sente o calor das figuras indeléveis zelosamente riscadas
na epiderme, nas cores que preenchem materialmente o que minha alma sempre
desejou: a lívida leveza de um corpo libertário.
Ou deixa-te enganar...
Nenhum comentário:
Postar um comentário