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terça-feira, 30 de abril de 2013

Toada da moça a toda


Não te engana com a tristeza aparente. Ela não evoca males nem infortúnios. Nem há tristeza aparente. Somente teus olhos percebem a confluência calma dos raios do meu olhar como tristeza. Eles te fitam e te ignoram. E permanecem serenos, feito o mar coberto da brisa mansa de uma noite em que chove estrelas. Meus olhos, esses escuros maciços vítreos, sorriem sem mexer alheios músculos. Sorriem porque sorrir é recolher lágrimas em tempos de felicidade farta. Recolhem tuas lágrimas se desejares. As mesmas que insistes em engolir com o choro do pavor
do ato mal visto, da vontade equivocada, manca e desajeitada devido ao peso do fardo que carregas de precisar estar sempre de mãos dadas com a valia.
Não há tristeza no recato que trago e forneço de graça. Se quiseres algo mais, deverá haver ganho. O meu é fácil, pois nutro meus olhos risonhos com as expectativas que depositas na satisfação rápida do ego. O teu é complicado, é o ganho da necessidade satisfeita ao custo de um possível gozo. O meu é fácil, repito, eu me permito à sensação do poder quando as energias se esgotam. Sinto prazer quando o prazer já me esqueceu em mádida coberta. Demora para o corpo esfriar a alma e vice-versa. O teu ganho-gozo é o inverso do que proporciono ao espírito da incansável lena manhosa que habita em mim. Teu ganho é pouco, meu ganho é a gana que me ganha.

Não te enganas com o requinte do sorriso ligeiro de meus lábios nas fotografias. Eles conquistam mais que despistam minha cobiça. Sussurro pelas lentes palavras que jamais ouvirias, como conselho ou delirante desdém. Minha boca, enquanto menina, porta-se feito pintura de linhas sutis e sem embaraços. O quadro, dos traços suaves e cores rutilantes das bordas bucais, benfaz a arte de chamar sem nunca pronunciar palavras. Minha boca, entrementes aos surtos rompantes de frenesi lascivo, interpreta a própria arte que proclama e deglute a tua, até então, apreensiva cadência de tons de um órgão barroco. Essa boca se cala com as peias do alvoroço. E sem nunca se deixar abater, ela se cala buscando o descanso momentâneo daquele sorriso sutil, do canto de lábios, que facilmente são vistos na lente da imaginação.

Não te enganas com meu corpo desnudo e mudo. Ele muda e se amiúda na noite, como a sombra se mostra rápida diante de um átimo de luz na escuridão. Ele é limpo e travesso, firme e denso, fino e fremido. Implora a ele pelo segundo de libertação e ele te dará o repouso garantido do espírito pós-excitação. Navega entre os poros e portos de cada dobra, sulco e sumo. Sente o calor das figuras indeléveis zelosamente riscadas na epiderme, nas cores que preenchem materialmente o que minha alma sempre desejou: a lívida leveza de um corpo libertário.

Ou deixa-te enganar...

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