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domingo, 19 de setembro de 2010

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Uma explicação começa e termina muita coisa. Pode começar uma palestra, assim como terminar uma relação. Explicar é da natureza humana. O homem explica, ou pelo menos tenta, até quando não lhe é perguntado coisa alguma. Por isso, acho interessante inaugurar esse blog com
uma explicação: a razão de eu ter escolhido trabalhar na área de exatas, precisamente, “trabalhar com computador”. Razão essa que começa a perder a razão.

Trabalhar com computador. Essa foi a resposta que dei, com ajuda de minha mãe, para a pergunta “O que você quer ser quando crescer?” durante um tema de casa, como chamávamos as tarefas para serem realizadas em casa, dadas pela professora, no primeiro ano do ensino fundamental. Olhei para minha mãe, quase tremendo por vergonha de responder errado sobre meu futuro, buscando um esclarecimento, uma luz materna que clareasse o caminho para minha futura profissão e o que ouvi foi “Vai, não sei o que você quer ser, responde o que você gostaria de ser”. O tom de sua fala na verdade foi delicado, amável, com sorrisinho no rosto por ver seu filho mais novo se dedicando aos estudos. Porém, a resposta não me ajudou muito. Mesmo assim, isso foi o que mais se aproximou de uma orientação vocacional que obtive dos meus pais até hoje. Dito aquilo, sucumbi aos meus encantamentos de criança e escrevi: trabalhar com computador!

Na época eu não pensava em ser médico, advogado, dentista, contador nem em nada mais além de ser o cara que trabalhava com computador. Eu não fazia idéia o que significava trabalhar com essa bendita máquina. Mesmo assim, no meu pensamento, só imaginava aquele teclado rompendo macio o silêncio da sala com o brandir de suas teclas e uma tela verde entupida de palavras em inglês que eu não entendia. E todo esse fascínio nasceu numa típica tarde infantil, enrolado num cobertor, no sofá da sala, assistindo à sessão de filmes na TV. Se hoje preencho fichas, cadastros, listas, enquetes, formulários e o que tiver o campo Profissão, com a expressão: Técnico em Informática, foi por causa de um filme chamado Jogos de Guerra.

No filme, o ator Matthew Broderick interpreta um adolescente que de sua casa, através de um computador com uma placa de modem instalada e acesso à linha telefônica, consegue invadir o sistema de defesa do Pentágono. Ele não sabe que estava dentro do sistema de defesa. Pensa que havia acessado algum servidor de jogos. Assim, dentro do sistema, dotado de inteligência artificial inclusive, ele “brinca” com algo chamado Guerra Termonuclear Global, um procedimento estratégico dos EUA para eventos de ordem nuclear durante a Guerra Fria. Ele quase explode o mundo. Um mero hacker por pouco não põe fim à civilização. E só não o faz porque, na verdade, é o sistema inteligente que analisa os prós e os contras do início de uma guerra e chega à conclusão que não haveria vencedor no mundo, após um embate nuclear entre nações. A aniquilação seria total.

Se o mundo tinha ou não acabado no filme isso não importava. David Lightman, personagem do Broderick, tornara-se o meu herói.

Aquilo era o máximo para mim! Sentar em frente a um computador, ficar digitando coisas com agilidade nos dedos, tendo completo controle do que se deve fazer, quando fazer e o porque fazer. Demais! Associei imediatamente a criatura binária de processamento de dados ao conhecimento, à inteligência, ao romper com limites e limitações da minha vida de então. Sentia que estar de olho no monitor era enxergar o mundo. Observar e controlar.  Condicionei minha vida ao encontro da tal máquina de bit/byte. Abandonei um curso de teclado, posteriormente, para iniciar um curso de informática. Preteri um curso de inglês, ofertado pela minha mãe, em prol de um curso de operação de microcomputador. Estudei em feriados. Decorei apostilas de editores de textos (alguém se lembra do Wordstar 3.0?), de banco de dados (e Dbase III Plus?), de linguagem e ferramentas de programação (ah, quero ver se alguém aqui já ouviu falar do MIRO!) e de demais áreas disponíveis para aprendizado, dentro do universo da informática numa cidade do interior de Santa Catarina, o que, saliento, não eram muitas. Enfim, cheguei aonde cheguei devido a um sonho. Mas, será que valeu a pena?

Sim e não. Sim: durante muito tempo a informática me trouxe realização pessoal e profissional; conheci muitas pessoas legais, amigos, devido a ela; vivenciei situações nas quais me senti útil trabalhando com ela; foi, e é, o meu sustento financeiro; ela e eu rimos, choramos, aprendemos e ensinamos. Por ela, cheguei aonde cheguei. Mas, aonde cheguei? Esse é o Não. Uma explicação basta para justificar uma caminhada. Estando no destino, quantas serão necessárias para se convencer a permanecer ali?

Não que eu não goste mais da informática. Gosto, mas o sonho acabou. É um clichê, mas é a verdade. Não adianta mais insistir, nunca fui um hacker. Nunca invadi servidores, provedores ou sites de bancos, por exemplo. Sequer consigo me concentrar na leitura de material técnico. Blogs de informática não estão entre meus Favoritos. Não discuto novas tecnologias com meus amigos e nem me digladio em debates sobre qual é o melhor sistema operacional para se usar. Acho que me enganei com o filme, ou ele me enganou: não sou um nerd! Nem sou um geek ou algum outro tipo parecido de neófilo.

Isso gera situações inusitadas para alguém tido como aficionado por computadores. Quando descobrem que trabalho com informática, alguns se sentem à vontade em perguntar qual é o melhor computador pra comprar, por que o micro dele trava quando clica num ícone qualquer, o que se deve fazer pra não ter uma internet tão lenta, por que o monitor não dá mais sinal de vídeo e assim por diante. Hoje é um terror ouvir isso. Odeio ouvir isso! E o pior é ser inquirido em eventos quaisquer, comendo um brigadeiro ou tentando manter uma conversa de gente normal. Certa vez, após ouvir em tom sereno os queixumes de um colega sobre seu computador pessoal já antigo, disse, com certa dose de malícia, “Ah, só explodindo o micro se resolve”. Ele riu. Quando voltou a questionar sobre o que fazer com o bendito e se eu poderia dar uma olhada no computador, repeti meu diagnóstico. Ele parou de perguntar. Claro, sempre mantive minhas respostas num tom polido, mas sem perder a aspereza necessária para que tentem entender a mensagem: não vivo mais para isso! Além do mais, nunca gostei de fazer “consertinhos” de equipamentos. Não faço “bicos”. E só me alimento nessa fonte com o estritamente necessário para sobrevivência profissional. Quando digo que preencho meu tempo livre com leitura e escrita de poesias, todos se surpreendem. Até já tenho mais de 100 poemas escritos. E sempre existe um afortunado espirituoso que diz “oh, que legal cara, poesia de bits? hehehe”...

Enfim, analisando porque aquele filme me influenciou tanto, comecei a acreditar que o barulhinho das teclas suavemente pressionadas no periférico do computador e a imagem dos dedos arpejando magistralmente, com os olhos do ente fixos no monitor, demonstrando um completo domínio do teclado, tenham sido uma preciosa dica a respeito do que realmente eu queria para minha vida: tocar teclado! Sim, teclado musical. Ser um músico. Dominar escalar, notas e harmonia... Tentei, há dezesseis anos. Não vingou.

Passei, então, a acreditar que o que me encantou no filme sobre o hacker não foi a estória em si, mas como ela foi contada. Ou seja, fui conquistado na época pela linguagem utilizada: o cinema! Sim, o cinema e sua magia de fazer a ficção factível, pelo menos na tela. Dominar a arte de se expressar em imagens e sons. E essa hipótese ainda não está descartada.

Agora, o meu medo, e que deve ser o seu medo também, prezado(a) leitor(a), é que o fascinante naquele filme para mim tenha sido mesmo a possibilidade de dominar, e destruir, o mundo! Ter ao alcance dos meus gélidos dedos o botão da hecatombe nuclear! Mesmo sabendo dos poderes maléficos das bombas atômicas, sempre tive a atenção presa, inerte, diante de filmes catastróficos, verdadeiros apocalipses nucleares. E como todo nerd é uma pessoa estranha por natureza, nunca há de se saber ao certo o que se passa pela cabeça desvairada dos escovadores de bits. Mesmo eu, acreditando agora que não passe de um pseudo-nerd, não me convenço que tenho todos os circuitos no lugar dentro do gabinete craniano. Vai que eu queria era mesmo ter um computador igual ao do filme, com acesso aos códigos de lançamentos de ogivas nucleares, prontinho para explodir o mundo. Não só o computador velho e travado do meu colega iria para os ares: todos os computadores iriam para os ares! Nunca mais manutenções e consertos de hardware! Adeus técnicos, programadores e analistas! Hasta la vista usuários!

Devaneios à parte, provavelmente não exista explicação para tudo na vida. Se agora não me encanto mais pela precisão da tecnologia, talvez simplesmente não era para ser assim. O certo é que cada vez mais minha atenção é cativada pela precisão silábica de uma arte dentro das ciências humanas: a arte da escrita. E se hoje começo a escrever, desejando jamais parar, é porque acredito que nem só de bytes viverá o homem.

5 comentários:

  1. Finalmente, vou poder retribuir seus comentários!
    Muito obrigada pela atenção aos meus textos e por seus comentários produtivos, Rob(erto?)
    É sempre muito bom receber retorno do que a gente escreve. Me confesso muito curiosa por seus poemas e te digo uma coisa, poesia de bits é o futuro!






    Mantendo o botão vermelho longe de você...

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  2. Ótimo texto, confesso que também escolhi "trabalhar com computador" por causa de alguns filmes. Era meu sonho ser programador, analista, estas coisas, aquele cara que senta na frente do pc e resolve o problema. Hoje eu consegui isso, faço isso ou pelo menos tento durante 8 horas ou mais do meu dia. Mas parece que a motivação para fazer isso já reduziu bastante, mas enquanto vc não explodir todos os computadores do mundo devo continuar no mesmo ramo hahaha...
    Seus textos são bons cara.

    Reginaldo.

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  3. Oi!
    Robson, quer ajuda pra explodir tudo? Posso tentar fazer uma bomba.
    Também prefiriria conviver com pessoas (se elas aceitassem), natureza, animais...
    Gostei do texto.
    Abraços.

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  4. "Uma explicação basta para justificar uma caminhada. Estando no destino, quantas serão necessárias para se convencer a permanecer ali?"

    Se você precisa se convecer a estar ali, é porque você não quer permanecer neste ponto, é como dizer se esforce para ser natural, oras se você precisa se esforçar significa que não é natural.

    Não há nada de errado em mudar de direção, mesmo porque a medida que o tempo passa experimentamos novas situações, descobrimos novos gostos e desejos, nosso leque de opções se diversifica, e de repente percebemos que a roupagem de outrora que nos cabia tão bem já não nos serve mais, nosso eu se expandiu para além das velhas escolhas sendo necessário novas roupas para nos acomodar em nós mesmos.

    Ps:Obrigado pela visita no blog, achei teu comentário bem interessante ^_^

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  5. Acredito que tudo isso seja parte da evolução pessoal. Existem pessoas que aguentam ficar vinte ou trinta anos fazendo exatamente a mesma coisa que sempre fizeram e existem pessoas que querem mais.

    O grande problema de nossa profissão (pelo menos ao meu ver) é que chegado a certo ponto de conhecimento, algo extremamente complexo e interessate se torna subjetivo demais para as pessoas que não são do ramo. E então, quando alguêm vem conversar conosco sempre perguntam aquelas coisas chatas achando que isso é nossa essência, que é assim que pensamos, mas estas pessoas não poderiam estar mais enganadas.

    Quando mais se aprende de bits, menos eles são importantes. O foco se torna outro, e quando o foco não muda esse papo de bits é coisa que ninguém mais entende. E quem quer saber de algo que não interessa a ninguém "Humano normal"?

    A melhor saída sempre é a evolução e quanto mais evoluimos sempre acabamos por sair do 1+1=2 e acabamos por nos focar em algo mais subjetivo, porém muito mais empolgente como por exemplo as "coisas humanas".

    Grande abraço e sucesso!

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