Páginas

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Tive uma ideia! Será?

Ideia: representação mental de algo concreto ou abstrato. Concepção primordial. Criação. Pensamento. Informação.

No filme A Origem, lançado recentemente nos cinemas, os personagens invadem sonhos para extrair ideias importantes de suas vítimas, informações sigilosas guardadas no inconsciente. Todo o enredo é didático e explica como funciona o processo de extração. Há um aparelho
tecnologicamente mirabolante que permite a invasão dos sonhos; doses certas de sedativos e outros líquidos que devem ser ingeridos para estarem aptos ao procedimento; vários níveis de inconsciência onde o tempo flui em outra velocidade, enfim, uma estória bem criativa. O desafio proposto no filme é a inserção de uma ideia, uma informação fundamental, no nível mais recôndito da psique para que ela pareça uma ideia natural da pessoa, não como algo vindo de fora, de outra mente. E para lançar esse embrião da concepção exige-se um grande esforço, planejamento, empenho e uma perfeita execução. O resultado do filme ficou bom, na minha opinião, alguém que realmente gosta de ficção científica. Só acho que não havia a necessidade de tanta inventividade para algo tão simples assim: colocar uma ideia na cabeça alheia.

Uma grande parcela das pessoas repete frases prontas, argumentos batidos e rebatidos, ideias requentadas e ainda insiste em afirmar que tem opinião. Opinião não é apenas originalidade, pois, se somos diferentes desde o nível genético, qualquer pensamento próprio nasce único. O que faz a diferença é o fluxo em que o pensamento navega até se exteriorizar. Se o caminho percorrido por ele é o da conveniência intelectual pactuada com o ordinário, então, sua essência malogrou-se. Remendos filosóficos não servem para pô-lo em movimento novamente.

Com o tempo, quem se acostumou a repetir o que melhor lhe convinha perde parte de sua capacidade de pensar por si só. A falta de nutrientes para o intelecto impede a percepção de que aquilo que dizem já não é mais aquilo que pensam. Os meios de comunicação sabem que a propaganda de um produto, propelindo o consumo, também serve para promover ideias. Também sabem que existem muitos indivíduos desprovidos do senso crítico, seja por opção, seja por criação. Para essas pessoas, aceitar um pensamento com dedinho no queixo, olhos a mirar o infinito e lábios comprimidos, é se deliciar com a sensação de que sua inteligência é robusta. Mas, não é. Ela é fraca e suscetível a influências, por menores que sejam. Na gana por serem diferentes, acabam sendo todas iguais. Essas mentes não percebem a intenção da astuta expressão usada como incentivo: “faça como eu, seja você mesmo!” Sutil ardil.

O que é normal é desejar ser normal, por uma questão de recíproca aceitação em uma sociedade, mesmo que isso possa nunca acontecer. Desejar ser igual a alguém é onde vive o perigo. Nem todos estão preparados para distinguir as nuanças de uma personalidade humana. Considero inapropriado espelhar-se em alguém. Torná-lo exemplo de vida ou de sucesso é usurpar do próprio espírito a condição de exclusivo, nata ao homem. Nem eu acredito que posso ser modelo de qualquer coisa em vida. No máximo, eu poderia ser exemplo de atitudes, de conquistas ou de qualquer outro bom substantivo somente depois de morto, e se não descobrissem nenhum podre a meu respeito. Mas, essa é minha ideia e tentar dissemina-la como verdade seria agir de forma contrária a que escrevo.

Deliciar-se com as novidades da vida alheia é o prazer atual. Inteirar-se das falas e ações dos famosos da televisão, em sua vida pública, é o melhor passatempo possível. Descobrir os assuntos melindrosos de quem é visto em revista gera uma satisfação inigualável. E tudo isso com o pretexto que se está estudando o comportamento humano. Até as desculpas para fofocagem estão ficando requintadas. O problema é que quem dedica boa parte do tempo a isso não se dá conta que, paulatinamente, todo seu caráter arrisca ser moldado pelas falhas de caráter dos rostos celebrados pela mídia. Sem se dar conta, ideias que não são da pessoa se arraigam para não saírem tão fácil. E nem sempre elas são boas. E mesmo que sejam, consumir pensamentos prontos é como viver ingerindo alimentos industrializados, basicamente constituídos de pura química, nada natural. Por mais que muitos desses pensamentos sejam inócuos, após serem fertilizados à força pela mídia, o grau de artificialidade criado pelos hormônios da banalidade os transformam em monstrengos grotescos, praticamente intragáveis e indigeríveis para os intelectos mais apurados. E eles não hão de fazer bem ao longo da vida de seus consumidores.

Quando surge alguém para sensibilizar a mente do ser a respeito da manipulação gritante em sua vida, falando Pare e Pense, o resultado pode ser o mesmo que se tivesse dito Continue e Conforme-se. E na indignação de ser ignorado, nem adianta você, como o sujeito bem intencionado, perguntar: qual parte do Pare e Pense você não entendeu? Qualquer que seja a resposta, ela será terrível. Se dito que foi o Pare a parte incompreendida, certifique-se que você não esteja tentando conversar com um animal. Se foi o Pense, verifique se a idade de seu interlocutor é maior que 5 anos, não desmerecendo a inteligência infantil, é claro.

Na política, a influência dos ladinos já não é mais sutil. E em período de eleições isso fica evidente. A impressão percebida é que com o adoecimento da própria vergonha, o cinismo convalescente opera sem limites, mostrando as faces descaradas da negação, falácia e demagogia. Tenta-se implantar ideias por atacado, atacando. A disposição compulsiva de certos agentes públicos na busca por mantenedores de ideologias políticas só não causa repulsa nas criaturas já conquistadas pelo sabor do sórdido. O método de conquista de novos adeptos só não é mais visceral que empunhar um machado e descer o fio num golpe certeiro, abrindo ao meio a cabeça dos incautos para semear na leira aberta dos miolos ideais pouco louváveis. E o indivíduo semeado acreditará irredutivelmente que o grito de guerra partidário entoado por ele fora espontâneo.

Não faço apologia a nenhuma tendência político-partidária. Minha intenção é expressar o perigo de aceitar o que se ouve de forma impensada. Aceitar boa ideias, repassá-las e promove-las é natural e incentivado. Não considerar o maior número possível de prós e contras antes disso é que se pode configurar como armadilha.

Com o surgimento dos microblogs, o Twiter por exemplo, há uma massificação da cultura do instantâneo, da rapidez de pensamento e expressão. A falta de ponderação antes da frase dita, digitada ou publicada produz uma quantidade absurda de inutilidades. Tais ideias talvez até sejam úteis, mas, somente depois de serem lapidadas. Processo esse quase incompatível com a dinâmica da aldeia global. Sem esse refino dos pensamentos, quantas pedras preciosas já não foram jogadas a esmo, aos milhares, junto com a brita, o cascalho e a areia da futilidade intelectual?

Porém, a dinâmica desse novo tipo de comunicação propicia um convívio próximo com bons pensadores. Ela também espalha numa velocidade de milhares de interações por segundo, informações úteis para o citadino. Só não é aconselhável utilizá-la para descrição de atividades pessoais e rotineiras, pois não é a quantidade de pessoas supostamente interessadas em acompanhar seus pensamentos e ações que fará você se tornar indispensável ao célebre e célere mundo moderno.

Se algo parece ser realmente interessante, podendo ser útil como conhecimento, entretenimento de qualidade ou humor inteligente, então, não é problema ler e repassar tal ideia. Se vier a calhar, não encalhe, retuíte.

Só desconfie se, com o sucesso dessa rede social, na hora de cumprir seu dever como cidadão e eleitor, estando em frente à urna eletrônica, em vez do botão “Confirma” você encontrar um botão “Retweet”. Não deixe pensarem por você principalmente nessa hora. Não aceite esse plugin em sua cabeça.

12 comentários:

  1. Rob, muito bom o seu artigo, concordo plenamente com o que foi dito a respeito de novas idéias, em especial, as idéias vindas da blogosfera.

    Parabéns pelo excelente texto!

    ResponderExcluir
  2. Rob,

    Seu artigo é mt bem construído e sensato. Toda essa era tecnológia é fantástica, se pensarmos em evolução, em acesso ao mundo, mas há sempre o fator contrário, o de massificação, o de robótica. Precisamos do conhecimento, mas daquele que é pensado, analisado e escolhido, como entendimento individual.
    Nenhum conteúdo tão breve pode ser engolido, sem mastigação.

    Obrigada, pela visita, bj

    ResponderExcluir
  3. Oi , Rob !

    Obrigada pela visita
    e comentário .
    Volte Sempre , és bem-vindo ! :)

    BjO.

    ResponderExcluir
  4. Oi, Rob
    valeu pelos comentários, fico feliz que tenha gostado de alguns textos meus.
    Quanto ao seu texto, posso dizer que gostei bastante da comparação que você fez entre o filme A Origem, e outras formas de disseminação e "implantação" de ideias, através da midia/internet, e etc. Bom encontrar um blog interessante como o seu!
    Abraço

    ResponderExcluir
  5. Fala Robson,
    Excelente artigo!

    Deixa evidente como funciona a persuasão "ou seria manipulação" da mídia sobre as pessoas.

    Ou seja, a melhor forma de convencer uma pessoa é colocar uma idéia na cabeça dela e fazer a pessoa acreditar que a idéia foi dela.

    Abraços

    ResponderExcluir
  6. “O desafio proposto no filme é a inserção de uma ideia, uma informação...” Tipo... beba coca cola... [sorrio]
    Acho um tanto mórbido o consumo da vida alheia, a explorarão das tragédias pessoas, o circo de horrores...
    Na política temos o palhaço que sonha em ser político e o político que age feito um palhaço inescrupuloso, porém existe gente boa também é claro. E em meio a tudo isso vem a mídia em seu apogeu.
    Cara, esse alerta final (“Retweet”) foi muito bem sacado. Parabéns pelo texto.
    Eu tenho um microconto que trata de certo modo o tema, vou deixá-lo aqui, ok?
    Abraço e obrigado por seu gentil comentário em meu blog.

    06#Jamil disse olhando para a televisão: _Se você tiver uma opinião eu aceito/É que eu não tenho/Entende? O quê? Depois desligou o celular (@Jefhcardoso74)

    ResponderExcluir
  7. Essa é a grande magia da vida , ...
    Um segundo se faz um infinito .

    BjO!

    ResponderExcluir
  8. A ideia de originalidade foi banalizada com a infeliz frase "nada se cria, tudo se copia". Muitas pessoas tomam como verdade o que a mídia "imparcial" diz, e agem conforme a TV, os artistas, a propaganda dita, tornando-se vítimas. Acredito que com a internet a cara da comunicação mudou. A comunicação em massa que, até então, era feita de um para muitos, passou a ser feita de muitos para muitos, aumentando assim a democratização da informação. Existe muita coisa boa e muita coisa ruim nesta grande rede, temos que ser verdadeiros garimpeiros, pescadores cibernéticos e termos a capacidade de separar o joio do trigo também por estes ares.

    Muito boa a sua crônica do cotidiano!

    Obrigada por soltar suas linhas em meu espaço!

    Beijos!

    ResponderExcluir
  9. Digo assim : sucinto e robusto.
    QUE FODA!!!
    Todos deveriam lê esse seu texto e realmente não serem bonecos infláveis e terem cabeças pensantes.
    E essa foto de fundo, ahhh me traz uma calmaria, uma paz e até disfarça a seriedade do seu texto.
    Lindo.
    vou passar mais vezes por aqui!
    bons caminhos
    Keila

    ResponderExcluir
  10. HAHAHAHAHA
    "CERTIFIQUE-SE QUE NÃO ESTEJA FALANDO COM UM ANIMAL"

    Vim retribuir a visita que fez ao meu blog; a primeiro momento por educação. Mas continuarei vindo aqui pq gostei muito do seu texto.
    Vou postar uma frase sua no meu twitter.

    Bjo
    Ótima semana
    e boa viagem a Russia.

    ResponderExcluir
  11. Vim retribuir a visita e encontrei ótimos textos aqui!!! Gostei muito das suas reflexões!!!!
    Abraços!

    ResponderExcluir
  12. Já estava muito querendo ver esse filme...depois desta sua excelente crônica, vou ter que ver mesmo, e logo! E voltarei para relê-la!!

    []sss

    ResponderExcluir