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domingo, 25 de setembro de 2016

Curvas e descompassos





Eu já estava só. Cada passo era dado sem pressa, sem cuidado,sem rumo nem esforço.
O destino, como sempre, era incerto. O percurso, pesquisado previamente nas inúmeras conjecturas hipotéticas de um pensamento inquieto, não apresentava perigo imediato. Tropeços aconteciam, mas nada que inviabilizasse a caminhada. Quedas, só de leve e sem cortes profundos. Quando se sabe em que terreno se pisa, pensa-se que se está no controle da vida.

Então, surge uma companhia para a caminhada, vindo do nada e como quem não quer nada. Alegre novidade, diferente necessidade, outro ritmo para as passadas já cansadas. Apresenta-se como um novo trajeto, atalho, para meu destino impreciso. Sem pensar, aceito um novo caminho. Por um bom tempo o estranho e perigoso atalho eu ignoro. Paisagem bonita irresistível a simples rajadas de vento. Vejo e analiso a nova rota e, pela companhia ofertada, não me importo com a insegurança dos recuos da pista, com os sujeitos mal encarados, com a tempestade que parece estar sempre no encalço. Por dias, semanas, meses sigo acompanhado. Às vezes rápidos vamos. Geralmente, vagarosos e desnorteados são nossos passos. Quando esmoreço e me deixo revelar, beijos rápidos me incentivam a caminhar. Abraços velozes e carinhos fugazes de apressados dedos me acalmam. Penso hoje como sou facilmente controlável...

E não é que num belo dia, de súbito, a companhia inusitada recebe carona e se vai, sem se despedir nem se preocupar com o rumo da vida que havia mudado? Apenas vai, curtindo o prazer da nova comodidade encontrada. Busca na facilidade a ela apesentada o oposto da complexidade natural de uma vida a dois, bem caminhada. Eu sentia a solidão do abandono cruel e proposital dominar o corpo. O cansaço, que antes era imperceptível, corrompeu meus músculos, afundando meus ossos em si mesmos, até o chão acidentado e áspero.

Voltei a estar só. Agora, estacionado, caído, num atalho sombrio, perdido espacialmente e com o velho caminho, seguro e sereno, muito distante da força existente em meu surrado corpo. Não. Não me interessa aventurar meu espírito na infrutífera senda previsível... Ou me interessa? Decido retornar, caminhando, correndo ou me arrastando à trilha de outrora. Se é possível? Não sei. Talvez não disponha de músculos proporcionalmente fortes à necessidade de regressar ao velho, tranquilo, conhecido e frugal caminho do meu antigo, porém ainda vivo, eu. Por sorte você talvez volte. Será?

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