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domingo, 31 de outubro de 2010

O ovo e a brotinho


Um dos grandes símbolos da solidão é a pizza brotinho.

Saí vagando num sábado à noite e resolvi comer algo que não estivesse no meu cardápio habitual. Entrei na pizzaria e passei uns dez minutos escolhendo o sabor da pizza. Não suportava tantos sabores, tantos ingredientes e tanta indecisão de minha parte. A balconista
também não. Escolhi, enfim, um dos sabores e disse que voltaria em alguns minutos.

Fui ao mercadinho em frente. Comprei cerveja, água mineral e mais algumas guloseimas. Coisas de quem vive sozinho. Voltei para pizzaria e me sentei, tomando uma cerveja, para esperar que meu pedido ficasse pronto. Minutos depois, a pizza estava a minha disposição, e com ela numa das mãos, a sacola de compras na outra e a fome entre elas parti rumo ao meu apartamento.

Não me deram uma sacola para carregar a brotinho. Tive que leva-la por três quadras como se fosse um garçom-entregador, que de tão novato, não possuía experiência nem a moto para fazer as entregas. A sacola estava me cansando. A pizza estava me cansando (era uma brotinho massuda). Talvez fosse a fome agindo e acabando com minhas forças. E o pior de tudo, alguns olhares curiosos perdiam um tempo maior que o normal em minha direção. Será que também tinham fome e se perguntavam que sabor era a broto? Ou será que estavam a filosofar sobre a tristeza de ser um pobre coitado, esfomeado, sozinho, que se vê louco num malabarismo entre uma sacola e uma pizza só para si? Por pouco não fiz um frisbee da pizza.

Cheguei em frente ao portão do prédio. Sacola no chão, a broto de uma mão para outra, pego a chave, abro o portão, seguro o portão com o quadril, pego a sacola, coloco-a no outro lado, libero o portão, pego a sacola com a chave na mão e sigo até a porta de vidro, interna ao condomínio. Repito o procedimento anterior. Ando mais um pouco, subo degraus até o segundo andar, e, deixando agora tudo no chão, abro a porta de casa. Recolho os mantimentos e fecho a porta. Ufa! Perfeita maratona-martírio do solitário. E a sensação de entrar em casa com uma pizza para ser comida sozinha, sem bagunça de ninguém na sala ou cozinha, sem reclamações do atraso, sem perguntas sobre o refrigerante esquecido ou da pouca quantidade de cervejas, essa ausência de vida tão presente em minha vida, simplesmente, me fez perder o apetite.

Abro a embalagem e vejo uma pizza com rúcula. Odeio rúcula. Mas, lembro bem, eu tinha pedido isso mesmo, sabe-se lá por quê. Sem muito que fazer agora, comi um pedaço e meio dela, num jantar regado com muita cerveja a tira-gosto: tira o gosto de rúcula. Pizza com rúcula também não dá para comer na manhã seguinte. O gosto fica estranho e o maldito verde amargo fica com um sabor pior que seu natural.

Joguei-a na geladeira e lá ficou, ao lado dos restos de um ovo de páscoa Sonho de Valsa comprado para dar de presente a alguém que, infelizmente, não aceitou...

Fiquei imaginando o diálogo da brotinho com o ovo:

- Ei, faz tempo que tu tá aqui?
- Sim, desde março.
- Nossa, tudo isso!? Como ainda te resta tanto chocolate?
- Ele me come aos poucos. Parece que enjoa fácil. Sei lá, ele é estranho. Vá se acostumando com esse lugar. Pode ficar nessa geladeira por um bom tempo, até sua rúcula brotar, Brotinho...

A pizza tiritou por um tempo, pois tinha acabado de sair do forno e já se via jogada numa geladeira. E o ovo permaneceu quieto, a seu modo. Uma semana depois, ao abrir a geladeira como de costume, percebi a brotinho e o ovo Sonho de Valsa lado a lado. Não pensei duas vezes: peguei a brotinho e a joguei no lixo.

O ovo de páscoa ficou lá. Afinal, chocolate na geladeira dura tanto quanto a esperança, e fica tão duro quanto à saudade.

20 comentários:

  1. "Tadinha" da broto. Agora que ela havia encontrado companhia.

    Gostei muito do texto!

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  2. Rob,

    Um texto que me agarrou pelos olhos, pela fome de boa leitura.
    Que perfeito, sem tirar nem por.

    bjs

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  3. Olá, Rob! É um grande prazer estar aqui. Quero aproveitar e expressar minha gratidão por seus comentários em meu blog. Muito obrigado!
    Lendo o seu “O ovo e a brotinho” lembrei-me de alguns períodos de solidão que experimentei enquanto morei sozinho em alguns lugares. A coisa mais difícil era terminar o trabalho em uma sexta para só retornar na segunda. Eram longas horas, leituras, muitas cartas, e pouco apetite. Enquanto lia seu texto, me ocorreu uma idéia boba, algo meio despropositado, uma frase que me intrigou, portanto compartilho.
    “A solidão é para os solitários, os outros não a suportam”
    Aproveite o lado bom da solidão, amigo, não peça rúcula se não gosta, não guarde chocolate se não come. É prudente manter a geladeira limpa. [sorrio, pois brinco]
    Frisbee? O que é?

    Abraço!

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  4. Rob,

    Texto super envolvente, retrato bem humorado da solidão. E vida é que não falta diante de tanta criatividade e habilidade com as palavras.

    bjs.

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  5. Olá Rob,

    Solidão tem suas compensações (a ausência de reclamações, por exemplo). Mas todo bônus traz o ônus consigo e temos de pagar seu preço...

    Narrativa envolvente. Parabéns!

    http://omundoparachamardemeu.blogspot.com/

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  6. Prazer em conhecê-lo, moço!

    Você passou nas minhas casas, fez ótimos comentários (tudo a ver) e aqui vim para agradecer tua presença quando me deparo com um texto tão ímpar, tão espetacular. Adorei! Li linha por linha, adorei o encontro da brotinho com o ovo de chocolate. Fez certo, a brotinho era sem solução, mas o ovo... o ovo você pode ir comendo-o devagarinho até o dia em que comprará outro para dar de presente a quem queira muito, e, quem sabe, esse alguém levará uma brotinho para a tua casa, ou melhor, duas!

    Um abraço,

    Vou acompanhá-lo.

    Suzana/LILY

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  7. Rob,

    agora como boa paulistana que sou terei de comer pizza, viu, isso é um convite, mas....... não peça uma brotinho, tá, kkkkkkkkkkkkkkk

    adorei

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  8. "Ele me come aos poucos"

    aHuaHuahua, muito bom!
    abraço

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  9. muito muito boa a crônica.
    acho que a maioria dos leitores se viu nessa situação,algum dia,ou,pelo menos,parecida.

    parabéns!!!

    bjoss

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  10. Afinal, chocolate na geladeira dura tanto quanto a esperança, e fica tão duro quanto à saudade.


    Final doloroso-doloroso.

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  11. Olá Rob!

    Adorei seu texto, não moro sozinha, mas geralmente me sinto assim, como se eu fosse só, pode ser egoísmo, mas é de tal forma que me sinto. A solidão às vezes até tem seu lado bom, ninguém pra invadir nosso espaço... É claro que faz falta a companhia de alguém de vez em quando ou de vez em sempre... sei lá...

    Mas pra gente poder viver com alguém, primeiro temos que aprender a não precisar dessa pessoa o tempo todo, temos que ser independente dela.

    Adorei o final: Afinal, chocolate na geladeira dura tanto quanto a esperança, e fica tão duro quanto à saudade.
    É triste, mas é lindo!

    Beijo.

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  12. Oi , Rob !


    Passando pra te reler e desejar um Dia de Paz.


    BjO.

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  13. E eu é que escrevo bem?! Adorei teu texto, me cansei só ler seus procedimentos para entrar no prédio com as mãos ocupadas...rsrs
    Muito bem escrito, descrito, rico em detalhes. Dá gosto de ler.

    Adorei tudo!

    Seguindo.
    beijos

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  14. nossa, quanta imaginação.
    adorei tudo isso aqui.

    ah: odeio pizza!

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  15. Que delícia ler as peripécias do malabarista transeunte. Bela crônica da solteirice aguda! Se tudo acaba em pizza quero morrer mordiscando uma rúcula :)

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  16. No final o brotinho se deu mal, que triste!

    Muito bom meu caro!

    Abração!

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  17. Rob!
    Que honra receber sua visita em meu blog! Vim pra retribuir e te digo... Vou ficando hein!! É muito bom aqui!

    =D

    Ah! 'Tira gosto... Tira o gosto da rúcula' adorei!
    hsauhsuahsuahsua

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  18. Sua escrita é linear e envolvente. Naveguei por aqui e gostei do que li.
    Parabéns !!
    Abraços ...

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